DA PAULISTA
À ROOSEVELT
Uma Rua, Mil Augustas

Do
skate
ao
caos
As Augustas além da Rua Augusta
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Legenda

Bares
Hoteis
Cinemas e teatros
Casas noturnas
Bombonières e mercados
Outros estabelecimentos*
Restaurantes, Lanchonetes,
Padarias e Cafés
Estacionamentos
Galerias, Lojas Colaborativas
Shoppings e Food Parks
Cabeleireiros e
Estúdios de Tatuagem
Casas de show, Karaokês e
American Bars
Espaços em obras, alugando ou abandonados, portarias de edifícios e muros**
*Exemplos: bancos, academias, pet shops, farmácias, universidades, órgãos públicos, lojas de roupas e outros
**Por questões de visualização, nem todas as portarias e muros foram considerados, apenas os que ocupavam espaço considerável na calçada.
Clique nas fotos para localizá-las na página
Todas as ruas fazem parte de uma malha urbana, de um agrupamento maior - a cidade. A Rua Augusta não foge disso, e entender sua rotina é também entender a dinâmica do entorno. A Augusta não é isolada, e conhecer suas proximidades é conhecer com mais profundidade a dinâmica da rua no contexto do bairro da Consolação e do centro de São Paulo. As próximas linhas falam mais sobre o que acontecesse nos arredores da Augusta, com um foco na Praça Roosevelt e na Rua Peixoto Gomide.
Indo em direção à Rua da Consolação, as ruas do entorno mostram-se com uma mistura de portarias de edifícios comerciais e residenciais. As ruas Haddock Lobo e Bela Cintra, paralelas à Augusta em direção oeste, são espaços em que moradores com seus cachorros misturam-se a pessoas de terno, que trabalham na região, ou aos que estudam nas escolas da proximidade, desde crianças no ensino fundamental a universitários. Bares, padarias e restaurantes têm força na região, principalmente pela proximidade da Avenida Paulista. À noite, essa região é pouco movimentada, e as pessoas que trafegam passam pelas garotas de programa, paradas nas esquinas - principalmente da Rua Fernando de Albuquerque -, esperando a clientela que busca preços menores que as dos american bars da Augusta.
Mais próximo do centro da cidade, os condomínios - a maioria de altos preços, pela região e pelo tamanho - ofuscam os prédios históricos (alguns abandonados), enquanto as universidades particulares da região aumentam a movimentação de pessoas, com jovens de classe média alta alugando apartamentos próximos aos campi. A baixa iluminação das vias gera um clima de insegurança, e, na região do Parque Augusta, pessoas em situação de rua encostam nos muros das Ruas Marquês de Paranaguá e Caio Prado, procurando um abrigo para mais uma noite.
Em direção à Avenida Nove de Julho, as ruas recortadas e sinuosas marcam o início dos bairros do Bixiga e Bela Vista. Os hospitais da região e a influência das avenidas aumentam o fluxo de carros durante todo o dia, e durante a noite vê-se a movimentação de pessoas em situação de rua para a Praça 14 Bis, onde se alojam embaixo do viaduto. A Rua Frei Caneca acompanha a movimentação da Augusta, rua paralela em direção leste, principalmente por grupos LGBT, dando uma identidade gay à rua, principalmente entre a Avenida Paulista e o shopping com o nome da via.
Todos esses espaços fazem parte da rotina da Augusta, seja por ela canalizar espaços de lazer dos que frequentam a região - com seus bares e casas noturnas -, seja por ser parte importante no tráfego urbano na região da Consolação, ligando o centro aos Jardins, e ponto de passagem entre o Higienópolis e a Bela Vista. Este projeto buscou entender mais sobre dois espaços próximos à Augusta, pela relação que possuem na rotina da rua, principalmente por questões de lazer: a Rua Peixoto Gomide - entre a Rua Augusta e a Frei Caneca -, e a Praça Franklin Roosevelt. As duas regiões têm em comum a ocupação das ruas e calçadas por um público jovem, que busca se encontrar, se divertir e se identifica com o lugar - como skatistas na Roosevelt ou LGBTs na Peixoto Gomide.
Praça Roosevelt - Do skate aos teatros
A Praça Roosevelt possui uma história paralela à da Rua Augusta, com ascensões, quedas e mudanças em períodos parecidos: após o loteamento das chácaras da região no final do século XIX, surgia a Praça da Consolação, um grande terreno vazio que servia de estacionamento durante os dias e feiras durante os finais de semana. Entre os anos 50 e 60, os bares, boates, teatros e o Cine Bijou - primeiro cinema de arte da cidade - trazia uma forte cena cultural para a praça, fazendo a região - tal qual a Augusta na mesma época - um espaço de elite, de artistas e de intelectuais. Além disso, a região era importante para o movimento estudantil e polo de resistência à ditadura militar instaurada em 1964.
Durante o final da década de 60, a região da praça viveu uma obra de modernização, com a construção de cinco andares de concreto - sendo dois de estacionamento -, que teriam uma diversidade de usos, buscando trazer um conceito novo e moderno. Além disso, a obra se integrava com a construção do corredor leste-oeste da cidade, ligando o Minhocão aos viadutos do Bixiga por túneis abaixo da praça. A obra foi realizada, no entanto o projeto não foi concretizado: dos anos 70 até o começo dos anos 2000, assistiu-se à deterioração da Roosevelt, com a falta de manutenção e a presença forte de traficantes, pessoas em situação de rua, usuários de drogas, garotas de programa e outros grupos considerados marginalizados. A região sofreu uma desvalorização, tal qual a Rua Augusta sofreu durante os anos 80 e 90, e se tornou um espaço desagradável da cidade, apenas com grupos de skatistas aproveitando os diversos andares para realizarem manobras.
Durante a primeira década do século XXI, houve um movimento de grupos de teatro que buscavam trazer o espírito da antiga Roosevelt: a abertura do Satyros e, anos depois, do Parlapatões, aumentou o debate sobre a necessidade de reocupar a praça abandonada. Os grupos de teatro começaram a atrair um número maior de pessoas para a região, que ainda sofria com problemas de segurança e de degradação, aumentando os debates sobre a revitalização do espaço. A partir de 2010, a prefeitura da cidade iniciou as obras na praça, que terminaram dois anos depois, demolindo a chamada Praça do Pentágono e deixando um grande espaço aberto - e concretado - entre a Augusta e a Rua da Consolação.
Os skatistas, que já ocupavam a praça antes da reforma, cresceram em número após a revitalização. Atualmente, o amplo espaço de concreto, rodeado de jardins, bancos, escadas e corrimões é utilizado pelos skatistas durante todo o dia, que descem da Paulista pela Augusta, disputando espaço com moradores que fazem caminhada ou passeiam com seus cachorros. Durante a noite, jovens de diversos bairros da cidade - e de outros municípios da região metropolitana - direcionam-se à Roosevelt, para conversar, praticar esportes, beber, tocar violão e, é claro, andar de skate.
Aos finais de semana, o número de pessoas aumenta, durante o dia por mais skatistas fazendo manobras, que desviam das famílias que passeiam. À noite, as escadas são ocupadas pelos que viram a madrugada bebendo cerveja, fumando maconha e ouvindo músicas em seus instrumentos ou caixas de som. Quem não quer ou não conseguiu entrar nas baladas da Augusta - principalmente por causa da lotação dos espaços ou pela idade -, ou não tem dinheiro para pagar mais caro nos bares da região ocupa a praça e faz de lá sua balada, sua festa.
Os ambulantes também ocupam o concreto, principalmente vendendo pizzas por um preço baixo - 10 reais, em média -, com caixas térmicas nas costas e montados em bikes. O movimento é crescente até as duas da manhã, quando se estabiliza e começa a diminuir após as quatro horas, quando as pessoas seguem em direção ao metrô ou pegam um ônibus de volta para suas casas.

Rua Augusta
Rua Martins Fontes
Rua Gravataí
Rua Nestor Pestana
Rua da Consolação
Praça Franklin Roosevelt
Rua João Guimarães Rosa

Estabelecimentos no entorno da Praça Roosevelt
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Paulo Stocker, 52 anos, é artista plástico e cartunista. Ele mora na Rua Augusta há mais de 12 anos, e tem uma relação próxima com a Praça Roosevelt, sendo o lugar que conheceu sua esposa, além de frequentar junto com o grupo de teatro Cemitério dos Automóveis, que atualmente possui um estabelecimento na Rua Frei Caneca. Ele conta o que acha da praça, principalmente após a obra de 2012, e cita o uso da praça pelo skatistas.
Confira também os depoimentos de Stocker sobre a Rua Peixoto Gomide e sobre a Rua Augusta
No entorno da Roosevelt, há uma diversidade de bares e clubes de teatro, frequentados por pessoas de mais diversas idades, concentrados próximos à Rua Nestor Pestana, onde existia o Teatro Cultura Artística, aberto em 1950 e fechado após um incêndio em 2008. Durante o dia, poucos estabelecimentos ficam abertos no entorno, como pet shops e mercados, com moradores nos diversos edifícios da região entrando e saindo das portarias - o movimento mais forte acontece realmente na praça, com skatistas e transeuntes.
Durante a noite, o entorno é tomado tal qual a praça em si, e pessoas ficam nas ruas, sentadas nas mesas dos estabelecimentos ou em pé. Os postos da Guarda Civil Metropolitana dão uma aparente segurança a moradores e frequentadores, que vivem em um eterno conflito devido ao barulho durante as madrugadas e ao uso da praça.
Rua Peixoto Gomide - Dos ambulantes ao caos
Quem passa durante o dia pelo quarteirão discreto da Rua Peixoto Gomide que liga a Rua Augusta e a Frei Caneca talvez não consiga visualizar seu movimento caótico durante as noites de fins de semana. Os bares e mercadinhos do quarteirão misturam-se com o posto de gasolina, a farmácia, a vidraçaria, os cabeleireiros e outros estabelecimentos, com um movimento tranquilo durante todo o período diurno, sendo uma rota de veículos que se direcionam à Avenida Paulista ou à Nove de Julho.
De terça-feira à sábado, o movimento cresce continuamente a cada noite que passa. O Bar da Lôca - apelidado com o nome da boate que existia na proximidade, famosa por concentrar o público LGBT por mais de vinte anos, até ser lacrada pela prefeitura em 2017 -, na esquina da Peixoto Gomide com a Frei Caneca, começa a encher a partir das 19 horas. Existente desdo os anos 70, o bar atrai pessoas que vão curtir o happy hour, além de moradores da região ou frequentadores de longa data, que tornaram-se amigos dos garçons. As cadeiras não conseguem comportar todos os frequentadores, e as pessoas ficam em pé na calçada, conversando e fumando cigarros mentolados ou de cravo.
Após a quinta-feira, com o movimento das casas noturnas na Augusta, o movimento na Peixoto Gomide cresce exponencialmente, iniciando às 20 horas, quando jovens que vão para as baladas param no quarteirão para “começar os trabalhos”, bebendo litrões de cerveja a preço baixo ou comprando garrafas de catuaba ou destilados nos mercadinhos, tomando na frente dos estabelecimentos, encostados nos postes ou paredes dos prédios.
Um dos mercados - o maior do quarteirão -, com um casal no caixa conversando em chinês, fecha uma das portas e coloca uma moça na outra, que confere o RG dos que querem entrar - barrando os menores de idade. O estabelecimento, existente desde 2011, fecha duas da manhã de quinta a sábado, e após as 20 horas coloca grades nos corredores mais fundos, onde estão produtos de limpeza, rações para animais e congelados, deixando livres apenas as geladeiras com bebidas, as prateleiras com vinhos e destilados, além de salgadinhos e frutas. Uma outra moça fica em frente às grades observando a movimentação e auxiliando as pessoas, seja pegando uma bebida de difícil acesso com uma escada, seja abrindo a grade para pessoas passarem aos corredores do fundo. Assim como esse mercado, alguns dos estabelecimentos do quarteirão pedem documento com foto para quem quer comprar bebidas, pois não é pequeno o número de menores de idade - entre 15 e 17 anos - que vão ao local buscando beber e se divertir.
Legenda

Bares
Hoteis
Cinemas e teatros
Casas noturnas
Bombonières e mercados
Outros estabelecimentos*
Restaurantes, Lanchonetes,
Padarias e Cafés
Estacionamentos
Galerias, Lojas Colaborativas
Shoppings e Food Parks
Cabeleireiros e
Estúdios de Tatuagem
Casas de show, Karaokês e
American Bars
Espaços em obras, alugando ou abandonados, portarias de edifícios e muros**
*Exemplos: bancos, academias, pet shops, farmácias, universidades, órgãos públicos, lojas de roupas e outros
**Por questões de visualização, nem todas as portarias e muros foram considerados, apenas os que ocupavam espaço considerável na calçada.

Rua Peixoto Gomide
Rua Augusta
Rua Frei Caneca
Estabelecimentos na Rua Peixoto Gomide,
entre a Rua Augusta e a Rua Frei Caneca
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Paulo Stocker morou na Rua Peixoto Gomide, entre a Rua Augusta e a Frei Caneca, por aproxidamente quatro anos, após se mudar para onde reside atualmente, próximo à Rua Fernando de Albuquerque. Ele conta sobre as mudanças de público na Rua Augusta e região, quando essa movimentação de jovens começou, e expõe sua opinião sobre as noites na Rua Peixoto Gomide, com duras críticas.
Confira também os depoimentos de Stocker sobre a Praça Roosevelt e sobre a Rua Augusta


Para quem não conseguiu entrar em uma das baladas da Augusta (pela lotação, pela idade ou pelo preço) busca na Rua Peixoto Gomide uma alternativa à festa. Diferente da Praça Roosevelt, que as pessoas ficam em grupos separados, sentados nos bancos ou escadas ouvindo a sua música, o quarteirão entre a Augusta e a Frei Caneca torna-se uma festa a céu aberto, com os ambulantes vendendo bebidas, milho e churrasco sem a necessidade de identificação, e tocando funk em suas caixas de som. Além disso, enquanto na praça concentram-se grupos de skatistas, jovens de regiões periféricas e artistas de teatro, a Peixoto Gomide atrai principalmente jovens LGBT e viciados em pop e funk, entre 15 e 25 anos, que flertam entre si e trocam beijos e bebidas.
Principalmente às sextas, sábados e vésperas de feriados, a calçada não suporta o número de pessoas após as 23 horas, e a rua é tomada pelas pessoas, que ficam paradas em frente aos bares - na maioria pequenos - e começam a atrapalhar a circulação de carros. No início da madrugada, quem entra com o veículo na Peixoto Gomide em direção à Paulista ou à Nove de Julho lida com um tráfego intenso. Os que estão curtindo a noite passam entre os carros, de um lado a outro da calçada procurando um espaço menos cheio, sem observar se os veículos vão acelerar, e os motociclistas interagem com os pedestres. Após as duas horas, os estabelecimentos fecham, mas os ambulantes continuam vendendo bebidas e as pessoas não param a festa a céu aberto, atrapalhando o sono dos que moram nos diversos edifícios da região.
No meio da aglomeração, traficantes vendem drogas sem muita discrição, com um olhar desconfiado, oferecendo a quem passa maconha, cocaína, LSD e ecstasy. O policiamento na região normalmente se resume a um carro de polícia parado em uma das calçadas da esquina da Peixoto Gomide com a Frei Caneca, em frente a um hotel, com eventuais rondas no meio do caos, mas que não afasta os vendedores de drogas. Furtos são consideravelmente comuns na região, cuja falta de iluminação e aglomeração facilitam a ação dos ladrões.
Em um clima caótico, as brigas são recorrentes, principalmente após as 4 da manhã, quando as pessoas começam a ir embora e o álcool no sangue deixam alguns mais agressivos. As brigas são normalmente verbais - e principalmente envolvem dois homens discutindo sobre uma terceira pessoa, normalmente uma mulher - e algumas vezes chegam a empurrões. Quando partem para a violência física, outras pessoas - independentemente de conhecerem ou não os envolvidos - buscam conter os ânimos e eventualmente seguram os briguentos, até um ir embora ou “ser expulso” do entorno. Algumas vezes as brigas saem do quarteirão e vão para a Augusta, sendo eventualmente uma das causas de gritos e barulhos da madrugada.
Quando chega próximo do horário do metrô abrir, as pessoas começam a ir embora da região, e ao amanhecer os garis limpam os cacos de vidro das garrafas de destilados, enquanto os que sobraram da farra, sentadas no meio-fio da calçada ou na porta dos estabelecimentos fechados, esperam o fluxo diminuir, algum amigo que sumiu reaparecer ou o álcool no sangue abaixar para conseguir andar sem tropeçar. O quarteirão fica deserto entre seis e oito da manhã, com um ar de ressaca - ou de pós-guerra para os exagerados - para um dia tranquilo de final de semana.
